A CIDADE CONECTADA

Por Bernardo Farkasvölgyi//

O Jornal da Cidade acaba de lançar o portal Cidade Conecta, um novo veículo de comunicação que surge para atender às novas e instigantes relações que estabelecemos dia após dia com a informação. Nem preciso dizer que o nome do novo portal serviu de inspiração para essa coluna. A verdade é que os avanços tecnológicos têm tornado as cidades cada vez mais conectadas e, muitas vezes, sequer nos damos conta disso. Somos milhões de pessoas a nem perceber toda a tecnologia, informação e conexões contidas em tantos e pequenos gestos diários – e como isso impacta diretamente na nossa vida.

Digamos, por exemplo, que você tenha que ir a uma consulta médica, em um endereço que não conheça. Se for de carro ou chamar um motorista pelo Uber, você ou o motorista utilizarão um aplicativo no smartphone para determinar o trajeto e saber quanto tempo vai levar pra chegar até lá. Trajeto e duração serão calculados pela distância, mas sobretudo pelas condições de tráfego. E quem informa para os aplicativos, em tempo real, sobre como está o trânsito? A gente! Todos nós, enquanto nos movemos pela cidade, com nossas tecnologias portáteis ou com o GPS presente em nossos veículos. O tempo todo estamos gerando e cruzando dados, dizendo se estamos parados ou quanto tempo levou para atravessarmos um cruzamento de ruas. Não percebemos, mas tudo isso está entrelaçando ainda mais nossas ações com o espaço urbano e influenciando inumeráveis tomadas de decisão.

Agora pense em quantos milhões de carros circulam diariamente por Belo Horizonte. Potencialmente, são milhões de sensores que podem coletar uma quantidade ilimitada de informações. Num futuro bem próximo, além da fluidez do tráfego, será possível também verificar a qualidade do ar, entender onde é mais difícil encontrar estacionamento, compreender de maneira precisa as rotas preferenciais de motoristas ligando-as a horários e padrões. Essas informações, devidamente retrabalhadas, são uma verdadeira mina de ouro para quem governa a cidade. O transporte público pode ser planejado e reprogramado com base no fluxo real de pessoas; pode-se compreender melhor sobre onde e como novas obras viárias ou intervenções ajudarão a otimizar o tráfego e reduzir congestionamentos.

E que fique claro que essa realidade não se limita ao trânsito. Cidades conectadas (e que usam esse potencial de forma inteligente) têm capacidade de garantir também maior eficiência energética, sustentabilidade ambiental, melhores relações dos habitantes  com a administração pública e muito mais – tudo de forma a simplificar e garantir qualidade de vida para as pessoas.

À medida que a tecnologia 5G se difunde em grandes centros habitados pelo mundo, tudo isso se torna ainda mais palpável. Estamos falando de uma rede capaz de transmitir imensas quantidades de dados em tempo real. Milhões de quilômetros de fibra ótica e milhares de pequenas antenas instaladas em todos os lugares vão conectando todos os objetos equipados com sensores, até um milhão por quilômetro quadrado. A rede transmite os dados dos sensores a um gigantesco datacenter, fisicamente localizado nas imediações da cidade que administra a rede. Os algoritmos de inteligência artificial processam os dados e ordenam “o que fazer” aos dispositivos, tudo isso em tempo real. Quantas coisas não se pode fazer de maneira adequada, programada e mais eficiente? As aplicações são quase infinitas neste nosso mundo sempre mais tecnológico.

A cidade de tijolos como a conhecemos esconde já há algum tempo um invisível sistema nervoso, no qual tudo está amplamente se conectando, sendo o 5G um ponto de virada. Como devemos nos comportar? A tecnologia traz apenas coisas boas? Bem, aqui estou apenas abrindo a discussão. Dentre tantas possibilidades incríveis, existem porém questões que devem ser consideradas, como privacidade, uso de dados pessoais e ciberseguranca (uma cidade completamente conectada pode se tornar uma cidade completamente hackeada …). Mas a tecnologia avança e temos sim que abraçar a ideia da cidade como um sistema complexo de informação. É inegável que nessa contexto o espaço urbano e suas arquiteturas funcionem como verdadeiros organismos dinâmicos, em simbiose com seus habitantes.

Devemos estar atentos, discutir, saber sempre mais sobre isso. Pois à medida que os computadores vão desempenhar com uma eficiência sempre maior a tarefa de monitorar as cidades por nós, precisaremos também redobrar nossos esforços para enxergar e analisar aqueles aspectos intangíveis da vida urbana que os computadores jamais serão capazes de detectar. Sem a visão humana da cidade é impossível reconhecer problemas e projetar soluções adequadas. O componente humano é e será sempre fundamental. Que as boas soluções oferecidas pela tecnologia venham com o entendimento que somos nós a escolher, de maneira participativa, as cidades que queremos para o futuro. Devemos todos participar, pois não se pode conceber uma cidade verdadeiramente conectada sem cidadãos que, de verdade, queriam se conectar a ela.

JORNAL DA CIDADE BH / Edição de 16 de Outubro de 2020