A CIDADE HUMANA

Por Bernardo Farkasvölgyi//

Neste momento, muitos estão me perguntando sobre o que será a arquitetura do futuro. Posso dizer apenas que lido com esse questionamento desde sempre e a cada dia, pois a arquitetura exige exercitar esse olhar. Claro, em tempos sombrios, as respostas também não são simples. O que tenho feito para melhor respondê-las? Tenho me agarrado ao que é humano. As soluções, muito mais do que relacionadas a estratégias econômicas ou de mercado, serão cada vez mais baseadas no que é melhor para as pessoas.

O que é melhor para as pessoas é exatamente o que é melhor para o mundo onde elas vivem:  projetos mais sustentáveis, arquiteturas mais humanas. Esse já era o futuro há muito tempo, a pandemia só o transformou numa realidade do agora. Viver, crescer, aprender, evoluir, prosperar (assim como sobreviver ou perecer) têm sido questões cujo palco mais decisivo são hoje as cidades. Os espaços coletivos imediatos, mais palpáveis e que mais nos representam nada mais são do que a realidade urbana na qual estamos inseridos.

A experiência que vem sendo vivida com o confinamento fez com quiséssemos – mais do que nunca – ver nossas cidades “livres”. Essa vontade imensa e compartilhada de voltar a viver o ambiente urbano trouxe também uma compreensão bem maior do quanto as cidades precisam estar receptivas, abertas aos fluxos, trânsitos, usos e experiências múltiplas e positivas.

Precisaremos de calçadas e passarelas mais largas? As ruas deverão ser adaptadas para dar lugar a mais ciclovias (afinal se locomover individualmente de bicicleta pode ser mais seguro do que em um ônibus repleto de outros passageiros)? Já levantei essas e outras perguntas aqui e elas começam a ganhar respostas. Sim, as cidades precisarão cada vez mais de vias e calçadas espaçosas e híbridas, multifuncionais, em uma urbanidade receptiva e acessível para quem caminha ou utiliza transportes individuais ou alternativos.

O futuro do urbanismo contém essa ideia. E de mãos dadas com ela o conceito do uso misto, que representa, basicamente, morar, trabalhar e se divertir num mesmo lugar ou sem grandes deslocamentos. Tendo como resultado, por exemplo, menos tráfego e poluição, bem como mais tempo e qualidade de vida para as pessoas.

Tenho desenvolvido muitos projetos de uso misto, entre eles dois bairros (master plans), um no interior de Minas e outro na região Oeste de Belo Horizonte. Ambos têm como propostas avenidas com 30 metros de largura e canteiros centrais de 10 a 12 metros de largura, sendo as vias no sistema traffic calm, que é o piso da rua nivelado ao passeio. Ao adotar essas medidas, criando avenidas com um parque linear no meio (com ciclovia e pista para caminhadas, áreas de ginastica ao ar livre e playgrounds), o que se está fazendo? Convidando e privilegiando a pessoa que anda e vive o cenário urbano a pé.

Coincidentemente, há quatro anos surgiu a possibilidade de propor um projeto para um dos últimos terrenos remanescentes da Grande BH, em Nova Lima. Para a área de 52 mil metros quadrados propus (quase como se antecipando a situação atual) uma praça de 25 mil metros quadrados de uso exclusivo para pedestres, contornada por um open mall (que nada mais é do que um shopping aberto) em dois pavimentos. Ou seja, uma imensa praça em um terreno privado, mas de acesso para o uso público, e uma área com lojas, restaurantes e entretenimento ao ar livre, em um espaço com muita ventilação e insolação natural. Justamente o tipo de centro comercial que com a pandemia, em todo o mundo, teve suas atividades retomadas mais rapidamente por possibilitar o convívio de pessoas, com segurança, dentro da nova realidade.

Para este terreno na Alameda da Serra, além do open mall, foi pensado um espaço cultural e uma área de entretenimento (numa região carente disso), torres comerciais e residenciais, todas conectadas à imensa praça, dentro do mais correto conceito de mixed use. Aliás, quando um terreno privado se oferece de forma convidativa ao uso público, num espaço que poderia estar simplesmente fechado por muros ou cercas, a cidade sempre ganha.

É de enorme importância aguçar o olhar quanto aos centros urbanos. Por que a arquitetura até pode ter uma linguagem universal, mas vem sempre pensada localmente, considerando o seu entorno, o contexto e, sobretudo, as pessoas que ali vivem. Se de um lado as cidades representam a melhor resposta para as atuais incertezas, são nas pessoas que encontramos as

JORNAL DA CIDADE BH / Edição de 18 de Setembro de 2020