CIDADES NO RESPIRADOR?

Por Bernardo Farkasvölgyi  //

Na nossa última coluna, propus estabelecer um diálogo sobre “as cidades do futuro”. A pandemia da Covid-19 tinha acabado de se tornar uma realidade e, sim, buscando fazer deste um espaço de reflexão, lancei algumas perguntas. Eu só não tinha ideia de que em um curto prazo de tempo meus questionamentos (como os de todos nós) se multiplicariam e as respostas se tornariam tão mais complexas.

Uma coisa é certa: essa emergência sanitária coloca em discussão muitos fundamentos consolidados. A começar pelo isolamento, que gerou e vem gerando nos moradores das cidades uma imensa mudança na percepção dos espaços. Em poucas semanas testemunhamos uma transfiguração de lugares e do relacionamento que estabelecemos com eles. Basta citar nossas casas e de como, para a grande maioria, tornaram-se também ambientes de trabalho.

Ruas e áreas públicas, definitivamente, passaram a ser vistas sob uma nova ótica. De um lado, pelo temor causado pelo coronavírus. Precisaremos de calçadas e passarelas mais largas? As ruas deverão ser imediatamente adaptadas para dar lugar a mais ciclovias (afinal, se locomover individualmente de bicicleta pode ser mais seguro do que em um ônibus repleto de outros passageiros)? E o que explica termos visto, no meio de uma pandemia, um mar de gente inundar a orla da Pampulha, lotar parques e praças? A essa última pergunta (além, é claro, da irresponsabilidade individual com a coletividade), a melhor explicação está no valor percebido que esses espaços ganharam. Ao passarem mais tempo em casa ou se virem obrigadas a um confinamento, as pessoas se deram conta do quão importantes e necessárias são as áreas de respiro urbano. É o potencial social e terapêutico de espaços verdes e abertos da cidade sendo largamente reconhecido (mesmo que num momento absurdamente errado).

Se na prática a distância social após a pandemia se consolidar como um novo hábito, talvez seja necessário reorganizar muitos dos espaços que conhecemos para tornar possível essa redução da proximidade. Nesse cenário, devemos mesmo falar sobre as cidades do futuro? Ou a pandemia mudou a ordem das palavras e o que vem sendo colocado em cheque é justamente o futuro das cidades? É mesmo impressionante ver cenas como as que temos testemunhado: metrópoles em todo o mundo, de um dia para o outro, registradas como lugares fantasmas. Se as cidades, como o próprio significado explica, são uma aglomeração humana localizada numa determinada área geográfica, como elas podem prosseguir numa realidade na qual as pessoas devem evitar o contato umas com as outras? As cidades vão perecer? E como fica o modelo das cidades compactas, que deveria representar, em sua densidade, melhor qualidade de vida?

Num texto construído sobretudo com perguntas (extremamente necessárias para incitar a busca por respostas), o que posso afirmar é que nenhuma pandemia, praga ou catástrofe natural jamais foi capaz de exterminar as cidades e muito menos a necessidade das pessoas de viver e trabalhar juntas em áreas urbanas. Pelo contrário, tais episódios sempre nos levaram a repensar o espaço onde vivemos. No início do século 19, surtos de cólera influenciaram melhorias no saneamento básico de Londres; em Nova York, no começo do século 20, a tuberculose fez surgir regulamentações relacionadas à habitação e ao transporte público; a SARS, no início deste século, levou países asiáticos a rever a sua infraestrutura nas áreas de saúde e a desenvolver sistemas para monitorar e mapear a doença.

Quanto às cidades compactas e mais densas, elas continuarão atraindo pessoas devido à sua capacidade de permitir vida social, conexão e conveniência. Neste momento, ver como a pandemia se desenvolve em Nova York assusta, mas devemos considerar que muitas outras cidades “densas” não necessariamente se tornaram grandes vítimas da Covid-19. Pequenas cidades na Itália e Espanha foram profundamente afetadas, enquanto algumas metrópoles asiáticas parecem ter implementado controles bem-sucedidos sobre o impacto do vírus. Não devemos esquecer que a densidade oferece eficiência, oportunidades de behttps://www.jornaldacidadebh.com.br/casa-design/cidades-no-respirador/m-estar e conexão com a comunidade de maneiras incomparáveis, quando bem aplicada.

Não tenho dúvida alguma de que superaremos essa pandemia. Vamos voltar ao trabalho e às escolas e nos encontraremos novamente em restaurantes, cinemas e estádios. As mudanças virão e seremos capazes de nos readaptar. Das muitas lições, hoje todos percebemos nossa vulnerabilidade e estamos aprendendo a apreciar pequenas e grandes coisas essenciais – entre elas a união. Daí talvez venha a melhor resposta sobre as cidades do futuro: serão aquelas com um futuro para todos.


JORNAL DA CIDADE BH / Edição de 17 de abril de 2020

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