AS NOVAS LUZES DA CIDADE

Por Bernardo Farkasvölgyi//

Com a ajuda de uma mensagem projetada no Edifício JK, um dos mais icônicos da capital mineira, Will fez a Sarah o pedido oficial de casamento. Em isolamento, juntos, após ver a mensagem da janela do apartamento onde vivem, ela disse “sim” ao amado. Desde o início da quarentena, de milhares de janelas belo-horizontinas, olhares têm se voltado para aquela fachada, aguardando ver novas mensagens de amor, de esperança, de protesto ou simplesmente de saudade.

Ao JK têm se juntado – aqui e ali, em BH e mundo afora – outros edifícios que ganham projeções noturnas em suas fachadas ociosas ou empenas cegas (aquelas laterais de um prédio, praticamente sem janelas ou aberturas). Edificações que, com luz e conteúdo, vêm se tornando verdadeiras mensageiras solidárias, novas amigas da vizinhança.

Na mesma onda das projeções, vieram as pessoas inundando seus terraços e janelas com lâmpadas coloridas (fazendo-o para si e para os outros) e criando vínculos emocionais antes não vivenciados com a cidade que veem iluminada à sua frente. Assistindo, por exemplo, o espetáculo de luzes e lasers realizado durante uma “live” em São Paulo, quantos de nós não desejou, naquele momento, ser vizinho do Alok?

De repente, shopping centers, mesmo vazios, não se apagaram; prédios comerciais, calculando quais lâmpadas de cada andar deveriam permanecer acesas, passaram a estampar corações gigantescos em suas fachadas; letreiros em neon de hotéis sem um hóspede sequer não empalideceram; imensos painéis de LED, até pouco tempo exclusivamente publicitários, ainda mais iluminados, passaram a nos dizer: “Fique em casa, vai ficar tudo bem”.

A essa altura da pandemia, não restam dúvidas de que nossa relação com o lugar onde vivemos, seja uma casa ou um apartamento, mudou completamente com a quarentena. As pessoas redescobriram seus espaços íntimos ou familiares. Somos muitos os que passaram a apreciar e valorizar o que já tinham, enquanto outros usaram o tempo de sobra pra reinventar os próprios lares. Mas você parou pra pensar que da mesma forma como mudou a nossa relação com a casa vista e vivida de dentro, mudou também a nossa ótica e a experiência com o que vemos lá fora a partir dela?

As cidades do futuro, com seus novos projetos ou mesmo numa reapropriação dos espaços e edifícios já existentes, deverá levar em consideração também isso: a nova percepção sobre a luz e seus usos. A arquitetura iluminada nos grandes centros urbanos, assistida das varandas ou janelas, definitivamente ganhou uma nova importância. Para quem conta com o privilégio de uma vista panorâmica, seja do inteiro bairro ou somente da própria rua, ficou diferente observar “o lado de fora”.

No mundo inteiro, a pandemia – junto com o isolamento e o distanciamento social – levou-nos a uma contemplação particular de tudo o que nos rodeia. Hoje, olhamos para as cidades como quem olha para um ente querido que se recupera, adormecido, num leito de hospital; ficamos ali torcendo para que ele mova um polegar, mexa as pálpebras, dê sinais de recuperação. Tragicamente, para tantos no momento atual nem isso é possível (estar junto de um amigo ou parente enfermo). Mas sim, temos feito isso com nossas cidades. Mais do que nunca estamos olhando pra elas, notando detalhes, reparando em pequenos movimentos, desejando que elas pulsem e brilhem, que demonstrem vida.

Cidades iluminadas ou com skylines bem definidos por luzes de LED multicoloridas não são novidades. A novidade é justamente a nova beleza que ganharam. Sim, no “novo normal” surge uma “nova beleza”. Na arquitetura a luz sempre fez toda a diferença, sendo essencial não só pela sua utilidade óbvia, como também para criar identidade, gerar ambientação, valorizar os detalhes. A grande diferença agora?  Se antes aquele arranha-céu com iluminação especial se destacava no cenário urbano por ser bonito de se ver, agora ele nos dá esperança, traz alegria, diz algo que nos conforta.

JORNAL DA CIDADE BH / Edição de 22 de maio de 2020